Rio Grande do Sul teve maior perda de receita corrente entre Estados brasileiros em 2022

Foto: Divulgação/Gustavo Mansur

A situação financeira do Rio Grande do Sul passou por uma inversão recente, gerando preocupações, e isso pode ser parcialmente explicado pela maior queda de receita entre todos os Estados brasileiros no ano passado.

Uma análise comparativa revela que os cofres gaúchos sofreram uma redução de 8,2% nos recursos em 2022 em comparação ao ano anterior, registrando o pior desempenho nacional em termos de receita permanente, excluindo empréstimos e venda de bens. A deterioração das contas foi agravada pela diminuição das alíquotas do ICMS, queda nas transferências federais e repetidas secas que afetaram o setor agropecuário.

Nos últimos anos, após períodos de déficits e crises financeiras que resultaram em atrasos no pagamento dos servidores, os gaúchos começaram a observar sinais de alívio. Os vencimentos foram regularizados e houve investimentos acima de R$ 6 bilhões no primeiro ano do programa Avançar.

No entanto, recentemente, o tom dos comunicados oficiais mudou. O governo informou que não seria possível realizar uma revisão geral de salários dos servidores neste ano, recorreu a recursos provenientes de outros poderes e, um ano após aderir ao regime de recuperação fiscal (RRF), revelou que a partir de 2028 não conseguirá honrar os pagamentos da dívida com a União, a menos que sejam renegociados novamente.

Darcy Francisco Carvalho dos Santos, economista e especialista em finanças públicas, é o autor do estudo que aponta o Rio Grande do Sul como o Estado com maior perda de receita no país, ficando atrás apenas de Alagoas e do Distrito Federal (as únicas três regiões com variação negativa). Segundo o especialista, essa situação se deve a uma combinação de fatores adversos. Alguns dos elementos que afetaram o Tesouro tiveram impacto nacional, como a redução das alíquotas do ICMS de 25% para 17% durante o governo de Jair Bolsonaro. No entanto, os gaúchos enfrentaram peculiaridades que agravaram ainda mais a arrecadação.

“Outros Estados tiveram aumento nas transferências correntes (recursos que vêm da União), como Minas Gerais, ou de recursos especiais, como os royalties do petróleo, no caso do Rio de Janeiro. O Rio Grande do Sul não contou com nenhum tipo de compensação”, analisa Santos.


Dificuldades financeiras reabrem debate sobre dívida com a União

A situação financeira do Rio Grande do Sul foi ainda mais prejudicada devido à vulnerabilidade constante às variações climáticas. No ano passado, a seca afetou 45% da produção agropecuária, um setor fundamental para a economia gaúcha, levando a uma queda de 5,1% no PIB. De acordo com Santos, essa situação agravou as dificuldades em cumprir os pagamentos da dívida com a União, que ultrapassa os R$ 93 bilhões.

“O Estado assumiu um compromisso de pagar parcelas muito elevadas, até pelo tempo em que ficou sem fazer os pagamentos. Mas, se não houvesse esse acúmulo de fatores que resultou em uma grande perda de receita, os problemas envolvendo o regime de recuperação fiscal não apareceriam tão cedo”, afirma o economista.

As preocupações financeiras em retorno têm gerado críticas por parte da oposição.

 “A fantasia de que o Estado estava ajustado, anunciada durante a campanha, acabou, e a conta é duríssima. O regime de recuperação (fiscal) é insustentável, e o governo não tem um plano de desenvolvimento econômico”, afirma o deputado do PT Miguel Rossetto, integrante da Comissão de Finanças da Assembleia.

No ano passado, o Estado registrou um superávit orçamentário de R$ 3,3 bilhões, em parte devido a receitas extraordinárias, redução de custos e pagamento parcial da dívida com o governo federal. No entanto, quando se analisa o resultado primário, que exclui receitas extraordinárias e despesas com a dívida, considerado um indicador mais apropriado para a análise das contas públicas, o valor cai para R$ 1,3 bilhão, bem abaixo dos R$ 4,6 bilhões em 2021.

A secretária estadual da Fazenda, Pricilla Santana, argumenta que o Estado sofreu prejuízos inesperados devido aos cortes nas alíquotas do ICMS e às sucessivas secas, e que o regime de recuperação fiscal já previa revisões periódicas para se ajustar a flutuações econômicas.

“Na própria lei (do regime de recuperação) há momentos de revisão porque a economia é dinâmica, e isso precisa ser incorporado às métricas que levam à consolidação fiscal, como despesas de pessoal e resultado primário. Das ferramentas para a discussão federativa, o regime de recuperação fiscal é o que há de melhor para o Rio Grande do Sul ou qualquer outra unidade da federação. Graças a ele, fizemos reformas estruturais como a da Previdência e a administrativa”, afirma a secretária.

O governo pretende solicitar prazo adicional para pagar a dívida com a União e uma mudança no índice de indexação, que atualmente considera a inflação mais 4% ou a taxa Selic (o menor valor).

No entanto, o professor de Economia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Rober Iturriet Ávila, acredita que um novo indexador aliviaria verdadeiramente os cofres se fosse aplicado retroativamente desde 1998.

“Entre 1998 e 2013, a dívida foi indexada por um índice que era muito influenciado pela taxa de câmbio, o que aumentou significativamente o valor. O ideal seria que isso fosse revisado retroativamente”, defende Ávila.

Rober Iturriet Ávila, professor de Economia da UFRGS, destaca que o corte abrupto nas alíquotas de ICMS, especialmente nas áreas de energia, comunicações e combustíveis, foi o principal fator negativo para as finanças do Tesouro gaúcho.

“Essa foi a principal questão envolvendo as finanças, já que, historicamente, o Rio Grande do Sul recebe uma fatia menor das transferências da União”, acredita Ávila.

No que diz respeito ao imposto, um novo modelo substituiu a taxa de 17% por um valor fixo cobrado por litro no caso dos combustíveis, por exemplo. Também foi retomada a cobrança pela transmissão e distribuição de energia. Ainda é cedo para avaliar o impacto financeiro da mudança na fórmula do ICMS, pois a alteração é recente, mas a secretária estadual da Fazenda, Pricilla Santana, já observa uma melhora gradual nas receitas.

“Mês a mês, observamos um crescimento na arrecadação do ICMS. Esperamos que o segundo semestre seja muito mais favorável do que o primeiro deste ano ou do que o segundo do ano passado. Não podemos deixar de nos preocupar, mas a perspectiva é boa”, afirma Pricilla.

Apenas com o retorno das cobranças sobre distribuição e transmissão de energia, que haviam sido suspensas, espera-se um acréscimo de R$ 1 bilhão por ano.