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Nesta terça-feira (10), a organização de biotecnologia sem fins lucrativos canadense, Conscience, anunciou a equipe vencedora do segundo desafio global Cache – sigla em inglês para Avaliação Crítica de Experimentos Computacionais de Descoberta de Acertos – liderada pela professora do Centro de Ciências Computacionais (C3) da Universidade Federal do Rio Grande (FURG), Karina Machado. A competição teve o intuito de descobrir moléculas promissoras para a criação de novos medicamentos contra todos os vírus da família coronavírus, não somente o SARS-CoV-2, responsável pela última pandemia.
Também integraram o time: o diretor do C3, o professor Adriano Werhli; o professor da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Frederico Schmitt Kremer; e dois estudantes do Programa de Pós-graduação em Computação da FURG (PPGComp).
O desafio, que está em curso desde 2022, foi desenvolvido pela Organização canadense em parceria com as farmacêuticas Bayer e Boehringer Ingelheim, contando ainda com o patrocínio da U.S. National Institutes of Health. A competição, baseada nos conceitos de Ciência Aberta, aproveitou a expertise em design de pequenas moléculas em diferentes continentes para encontrar moléculas promissoras que, em um futuro próximo, podem ser utilizadas para tratamentos efetivos contra o pan-coronavírus.
Neste âmbito, a equipe da FURG/UFPel obteve a maior pontuação entre as equipes participantes, uma vez que submeteu – nas duas etapas da competição – o maior número de moléculas promissoras. “Nosso objetivo era fazer a triagem, de forma eficiente e ágil, usando uma base de dados com milhões de possibilidades, disponibilizada pela organização para uso comum das equipes inscritas. Nossa lógica foi utilizar uma combinação de ferramentas de Bioinformática e Inteligência Artificial de código aberto, inclusive por meio de métodos desenvolvidos pela nossa própria equipe, para identificar dentro deste universo, as moléculas mais promissoras”, explicou Karina.
Na primeira etapa – realizada ainda em 2022 – destas inúmeras moléculas, cada equipe ficou responsável por apontar um conjunto destas moléculas que considerava promissor, o que foi seguido por uma segunda etapa, realizada entre 2023 e 2024, oportunidade em que houve outra seleção de moléculas, com base nos prospectos com mais sucesso nos conjuntos submetidos pelos participantes. “A duração extensa do desafio se dá pelo período de testagem realizado pela organização, uma vez que, além de envolver níveis altos de segurança e requisitos de laboratório, considera o tempo necessário para realizar todos os testes requisitados para o alto volume de prospectos”, destacou a líder da equipe campeã.
Ainda nesta etapa, os resultados afunilaram para 46 moléculas promissoras, das quais, oito foram indicadas pela equipe da FURG/UFPel.
De acordo com a Conscience, outros participantes com bom desempenho são provenientes de universidades do Canadá, Reino Unido e Estados Unidos, incluindo um grupo que utilizou o jogo científico ‘Drug-It’ para realizar a prospecção de moléculas promissoras, e, também, empresas de biotecnologia canadenses e ucranianas. Ao todo, 22 grupos participaram da competição.
O conjunto de informações e dados obtidos na competição estarão disponíveis publicamente para que pesquisadores de todo o mundo possam utilizar em suas pesquisas, incluindo o treinamento de algoritmos de Inteligência Artificial para o projeto de medicamentos.
Segundo Ryan Merkley, CEO da Conscience, o conceito de “promissor”, utilizado durante a competição, se dá pela propriedade de uma molécula em se ligar no núcleo mais conservado das proteínas dos coronavírus – localizado na helicase NSP13 – uma proteína que é crítica para a replicação viral. Ou seja, quanto maior essa propriedade, mais promissora é a molécula. “Mirar as helicases como uma estratégia antiviral já se provou efetivo contra vírus como herpes, herpes zoster e hepatite C, mas é pouco explorada em coronavírus, com nenhum medicamento candidato tendo focado nessa estratégia até então”, destaca a organização em uma carta aberta sobre o desafio. As moléculas apontadas pelos participantes foram estudadas e validadas pela equipe de biofísica do Structural Genomics Consortium, vinculado à Universidade de Toronto.
Para Adriano, além da FURG possuir uma linha de pesquisa dentro do seu Programa de Pós-graduação em Computação voltada para o campo da bioinformática, outro aspecto que ajudou a equipe durante o desafio foi a expertise adquirida pelas pesquisas realizadas pela instituição em volta do novo coronavírus desde o início da pandemia em 2020. “Estávamos de certa forma familiarizados com a estrutura do vírus; especialmente a proteína em si. Acredito que isso tenha nos dado uma bagagem de conhecimento que com certeza foi muito útil durante o desafio”, apontou o diretor.
“Outro grande diferencial da nossa proposta foi o que fizemos durante a primeira etapa da competição. Neste momento, utilizamos a técnica de agrupamento junto à base de milhões de moléculas , organizando-as por quão parecidas elas eram. Destes conjuntos, selecionamos aquelas que eram representativas de cada grupo, justamente porque não tínhamos infraestrutura para testar esse grande volume de moléculas nos equipamentos da Universidade. Com este filtro, chegamos em 10 mil candidatas, o que nos possibilitou conceber um filtro baseado em Inteligência Artificial para olhar novamente a base de dados. A seguir, utilizamos várias funções de score, incluindo uma que desenvolvemos durante o desafio, e, combinando os resultados destas funções, obtivemos um consenso do que seriam as moléculas mais promissoras”, detalhou a professora.